Os Institutos Federais estão completando 15 anos de criação pela Lei nº 11.892, neste 29 de dezembro. A partir dela, escolas técnicas federais espalhadas por todo o país foram aglutinadas em uma só instituição de educação profissional e tecnológica e, de lá para cá, mais de 500 novas escolas foram criadas, expandindo os IFs para o interior do Brasil e levando a esses lugares educação integrada, de qualidade e gratuita, que prepara o indivíduo para a vida e para o mundo trabalho.
Uma pesquisa do Insper – uma das principais instituições de ensino superior e pesquisa do país – revela que concluir o ensino técnico integrado ao ensino médio eleva em 32% o valor presente da remuneração dos seus egressos. O que a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) dos IFs tem feito, entretanto, é mais do que os números podem mostrar – ela tem transformado vidas de forma integral.
Os personagens desta matéria são todos oriundos de famílias camponesas de baixa renda e, além de terem mudado a realidade econômica de suas famílias após concluírem o curso técnico em unidades do IF Baiano, todos relatam que o acesso a essa educação marcou profundamente quem eles são como pessoas e como profissionais.
Conheça a história de Martins, Paulo e Gabriel:
Em 1987, num dia de domingo chuvoso, uma família percorria 13 km de estrada de chão da roça onde viviam para a cidade de Taperoá, onde iriam morar numa casa cheia de parentes para que as crianças pudessem ir à escola. Uma mula carregava duas cestas com alimentos e roupas da família, além de uma criança de 2 anos na cangalha. Ao lado da mula, caminhavam Martins Batista dos Santos, com 5 anos, e seus pais.
No dia seguinte, Martins iria para a escola para começar uma longa trajetória na educação, mas ele teve que esperar mais três dias para ter seu primeiro contato com o ambiente escolar, pois seus pés estavam inchados e doloridos da caminhada. Martins estudou o ensino fundamental em uma escola pública e lá fez amigos, pegou gosto pelos estudos e aprendeu a ter disciplina. Na 8ª série, sua professora de História o orientou a estudar na Escola Média de Agropecuária da CEPLAC (EMARC), em Valença e, assim, ele fez. Saiu da casa dos pais e foi morar com tios em Valença, onde cursou o ensino médio e o técnico em Agropecuária, de 1998 a 2001.
“Os quatro anos vivenciados nessa escola foram os momentos mais determinantes na minha vida pessoal e na minha formação profissional até o momento”, revela Martins. Ele conta que os professores e funcionários conseguiam transformar aquele espaço numa extensão do ambiente familiar dos alunos. “A responsabilidade e a dedicação desses profissionais serviram, servem e servirão como inspiração para todas as atitudes estudantis e profissionais durante toda minha vida”, relata ele que seguiu construindo uma história no IF, mesmo após concluir o curso técnico.
Verticalização
Após se formar na graduação em Engenharia Agronômica e atuar em cooperativas, associações e como professor, em 2015 Martins foi aprovado no concurso para Técnico em Agropecuária do IF Baiano. Martins voltou, então, para a escola onde estudou como servidor e, recentemente, vivenciou a experiência de ser novamente estudante do IF, desta vez no Mestrado Profissional em Ciências Ambientais no Campus Serrinha. Cursar mais de um nível dentro da instituição, como ocorreu com Martins, é comum no IF, pois a escola oferta cursos que vão desde a educação básica até a pós-graduação e a verticalização é uma de suas marcas.
Quando perguntado sobre como ele se viu ao voltar para a escola onde estudou, ele respondeu que se sente como uma semente jogada para longe pelos frutos, mas que voltou justamente para o local onde a sua planta-mãe nasceu. “Eu cresci aqui e voltei para o lugar onde estão minhas raízes… as coisas que pratico aqui são pensando nas pessoas que eu deixei na roça, onde meu pai está até hoje, nos vizinhos, pensando na região… trabalhando para as pessoas que necessitam desse trabalho, promovendo desenvolvimento sustentável, promovendo emancipação dos agricultores, trocando experiências com eles. Então, isso aqui, para mim, significa uma realização de vida”.
Trabalho como princípio educativo
O que Martins passa para os alunos é que valorizem o trabalho, seja ele qual for: na enxada, no trator, no laudo técnico, na recomendação… Para ele, todo trabalho tem seu sentido e seu valor. Foi essa a educação que recebeu na escola técnica que originou o Campus Valença e é uma educação que tem o trabalho como princípio educativo que ele promove na fazenda-escola do campus em que trabalha. “Têm passado vários estagiários por aqui e a gente tem falado bastante que o trabalho da enxada tem o mesmo valor que o trabalho da caneta”, afirma Martins.
O trabalho da enxada, Paulo Roberto de Souza Santana conhece bem. Filho de pai agricultor, sua primeira lembrança do pai é a de vê-lo no trabalho braçal da enxada. Como Martins, ele veio de uma família de agricultores e aos 7 anos já aprendeu a tirar o leite com o qual sua mãe fazia queijo.
Paulo Roberto e seus dois irmãos nasceram em Guanambi, no distrito de Ceraíma, e moravam bem em frente ao campus que, naquela época, era a Escola Agrotécnica Federal Antônio José Teixeira, hoje IF Baiano – Guanambi. Entre o campus e o terreno da sua família tinha apenas uma estrada. Da sua casa sem energia elétrica e água tratada, ele via a escola com suas tecnologias e logo foi se inserindo naquele universo. “Eu, com a idade de 9 anos, já conheci professores que estão até hoje dentro do IF Baiano… conheci eles lá, porque eu tirava leite e as pessoas, os alunos, ficavam espantados. Já tinha o pessoal ali estudando e eu lá no meio deles”, conta Paulo.
O desejo de estudar na Escola Agrotécnica surgiu bem cedo e ele conta que foi privilegiado por morar justo em frente ao local. “Tinha em mente essa questão de ensino técnico, eu também conhecia algumas pessoas que tinham se formado lá e eu tinha muito esse desejo”, conta. Quando atingiu a idade e o nível de ensino necessários, Paulo Roberto participou do processo seletivo e ingressou na Escola no ano de 2006, pegando a transição da instituição para Instituto Federal.
Os anos de estudo na escola o marcaram muito: fez amizades que permanecem em sua vida até hoje, competiu nos jogos em várias categorias e não esqueceu a primeira aula prática com trator. “São coisas que marcaram muito e marcaram também os professores, independente da história deles e da nossa história, de onde a gente vinha. Eles faziam com que brotasse na gente esse desejo de estudar, de [perceber o] quanto aquele curso ali ia servir pra vida da gente, então, memórias ali são infinitas”, relata o egresso que, hoje, é diretor do Departamento de Agricultura e Desenvolvimento Rural, na Secretaria de Agricultura de Guanambi.
Formação integrada
A formação integrada, ofertada pelos Institutos, não diz respeito apenas à concomitância do curso técnico com o ensino médio, é mais que isso: ela tem o objetivo de integrar os saberes e contextualizá-los no todo do qual fazem parte. Nessa educação não-fragmentada, a formação do estudante é integral e busca cultivar o desenvolvimento total de suas possibilidades para a sua total realização. “Na minha vida pessoal, eu aprendi muito como sujeito, como pessoa, tive grandes mestres, colegas ali que tinham uma conduta, como sujeito, muito bacana, então, marcou minha vida pessoal e profissional”, afirma. Hoje, Paulo olha para os empregos que teve, a partir da sua formação no IF, e sente que sua realização não vem do emprego pelo emprego, mas do que ele pôde contribuir socialmente por meio do seu trabalho.
Para Gabriel Nascimento, egresso do campus Santa Inês, não foi diferente. Ele define o IF como um portal de possibilidades, um portal de multidimensões, que abriu sua mente e deu a ele a oportunidade de sonhar. Filho de lavradores que não tiveram a oportunidade de estudar, ele sonhou em ser médico e pôde escolher a Universidade onde cursaria, acumulando aprovações em universidades públicas. “[Ingressar no IF], realmente, foi abrir um portal de sabedoria, de conhecimento e essa foi a grande oportunidade… porque, na realidade dura em que a gente vivia, o IF me deu a chance de sonhar, de poder dizer que eu posso ser médico, eu posso ser dentista, eu posso ser engenheiro, como várias outras pessoas que vinham de realidades tão difíceis quanto a minha, podiam fazer isso”, conta.
Os pais de Gabriel valorizavam muito a educação e lutaram para que os filhos pudessem ter as oportunidades que eles não tiveram. Os meninos estudaram a vida inteira em escolas públicas, a primeira delas na zona rural com condições muito difíceis, mas seus pais deram a eles o incentivo e as condições necessárias para o aprendizado, apesar das adversidades. Rafael Nascimento, irmão de Gabriel, foi o primeiro a estudar no IF e depois se formou médico veterinário. Eles conseguiram mudar a condição financeira da família com a trajetória formativa que tiveram até a graduação e Rafael acredita que não tinha outra saída para conquistar isso que não fosse com os estudos.
Para Gabriel, foi a base recebida no Ensino Médio, com professores altamente qualificados, com mestrado e doutorado, e uma formação para pesquisa muito próxima ao que se faz nas universidades, que o possibilitou ingressar em cursos muito concorridos como odontologia e medicina. “Algumas coisas que a gente aprendeu no curso técnico estavam lá nas provas, então isso foi um diferencial sem tamanho. A prova do Enem, ela cobra conteúdo, mas ela cobra ética, conhecimentos gerais, né? Noções de civilidade, humanidade também, é uma prova muito complexa, que é isso que o IF nos proporciona, né? Uma formação completa, humana e social, como indivíduo inserido no mundo”, afirma.
Equipe multiprofissional
Hoje, médico intensivista, ele não esquece que também é técnico agrícola com habilitação em Zootecnia e faz questão de colocar isso em seu currículo. Mesmo que pensem que não existe ligação nenhuma entre o curso técnico e a medicina, para ele, faz todo o sentido. Antes de entrar no IF, Gabriel tinha muita habilidade com as ciências exatas, mas foi no curso técnico que ele se apaixonou pelas ciências da natureza e da saúde, fazendo um estágio na área de aves de corte.
Foi também no contato com a equipe multiprofissional de assistência estudantil do IF Baiano que Gabriel teve um acompanhamento psicológico e a oportunidade de fazer um teste vocacional que revelou sua afinidade pela área da saúde. Então, ele conclui que o médico que ele é hoje passa pela formação técnica que recebeu anos atrás: “É muito difícil desvencilhar todas as experiências que eu vivi lá – a possibilidade de viajar, de sonhar, de, enfim, realizar, de acontecer, de conhecer a equipe multiprofissional, de conhecer e de ter acesso ao acompanhamento psicológico com serviço social – [de quem eu sou]”. Para Gabriel, essa formação foi um divisor de águas na vida do seu irmão, na dele e na dos primos que passaram por lá depois. “O IF é uma tatuagem que ficou na minha alma. Falo com muita emoção, com muita felicidade”.
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